terça-feira, 15 de abril de 2008

Suposta conversa com Maria sobre Abadia

Fiquei surpreso ao saber que existem pessoas que compram ursinhos que foram de traficantes. Não só ursinho, mas relógios, sapatos, casacos e outros bens. Traficante é bandido. Então, como posso comprar e usar algo que pertenceu a dado traficante? E o pior: como posso presentear a minha filha com um ursinho de pelúcia que pertenceu a Abadia?
Ao saber de que o leilão para vender os bens de Abadia reuniu centenas de pessoas, me veio à mente um suposto diálogo que eu poderia ter com Maria, minha filha de 4 anos, sobre Abadia e o ursinho de pelúcia.

- Papai, onde comprou este ursinho?
- Maria, comprei de Abadia, o traficante.
- Mas papai, o que é traficante?
- Filha, traficante é bandido. Vende drogas. Possibilita que pessoas fiquem viciadas. Todo traficante, filha, ganha dinheiro de modo desonesto.
- Papai, mas a polícia não prende bandido?
- Tem razão filha. Como sempre lhe digo: polícia deve prender bandido. E ele está preso Maria. Porém, os seus ursinhos estão à venda. E muitas pessoas compraram o ursinho. Inclusive eu.
- Papai, então não quero este ursinho! O senhor me disse que bandido não presta. Não quero ursinho de bandido.
- Fiquei em silêncio e queimei o ursinho.

O diálogo acima não é verdadeiro. Contudo, quantos pais são indagados por seus filhos diariamente sobre o que seja um bandido? Será que algum pai presenteou o seu filho com o ursinho pertencente à Abadia? Eu não faria isto.
Contudo, não me causam surpresa as atitudes de alguns brasileiros. Somos uma sociedade profundamente contraditória. Clamamos por segurança, mas subornamos o guarda. Cobramos honestidade dos políticos, mas não nos importamos em passar na frente de outros numa fila de cinema. Desejamos que o Estado seja eficiente, mas, alguns, trabalham só seis horas em uma repartição pública e recebem alto salário. Defendemos uma sociedade com menos desigualdade, mas, alguns, exigem que a empregada doméstica use o elevador de serviço.
Portanto, as nossas contradições não me assustam na sociedade do Jeitinho. Por outro lado, que tipo de sociedade queremos construir? Precisamos no Brasil de uma reforma ampla do Estado brasileiro, onde privilégios não existam, como os de varias categorias de funcionários públicos. Precisamos também de um choque moral, onde comprar ursinho de traficante seja vergonhoso e não glória.

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